domingo, 9 de fevereiro de 2014

Rolezinhos na sociedade do espetáculo

Por: Roberto Macedo - Economista - O Estado de S.Paulo

A ocorrência dos rolezinhos despertou minha curiosidade pelo assunto, principalmente em razão de palestra a que assisti no Brasil há alguns anos, ministrada por Gilles Lipovetsky, um filósofo francês que analisa a realidade sócio-histórica e, dentro dela, fenômenos como o consumo, a moda e o luxo. São temas também da seara de economistas, como eu, e pelo que li nos jornais os rolezeiros são muito focados na moda e no consumo, o que para eles constitui um luxo.
Para Lipotvesky, cada um tem a sua ideia do que seja luxo, muitas vezes compartilhada pela sua comunidade. Na palestra, ao falar do luxo nessa perspectiva, que não depende necessariamente da renda, ele disse que para brasileiros isso não deveria ser novidade. E mencionou os nossos índios, que se enfeitam luxuosamente para suas celebrações, e também todo o luxo ostentado pelas escolas de samba.
Na realidade sócio-histórica atual, Lipovetsky identificou o que chamou de hipermodernismo, objeto de seu livro Os Tempos Hipermodernos, de 2004. Pondero não ser possível fazer justiça ao seu abrangente significado recorrendo a uma frase ou outra, mas não tenho alternativa. Num trecho em que explica o conceito, afirma que (...) "no cerne do novo arranjo do regime do tempo social, temos: (1) a passagem do capitalismo de produção para uma economia de consumo e de comunicação de massa; e (2) a substituição de uma sociedade rigorístico-disciplinar por uma 'sociedade-moda' completamente reestruturada pelas técnicas do efêmero, da renovação e da sedução permanentes".
"Nasce toda uma cultura hedonista e psicologista que incita à satisfação imediata das necessidades, estimula a urgência dos prazeres, enaltece o florescimento pessoal, coloca no pedestal o paraíso do bem-estar, do conforto e do lazer. Consumir sem esperar; (...) divertir-se; não renunciar a nada (...)."
São termos sofisticados, mas que colocam os rolezinhos como fenômeno hipermoderno, apoiado também no forte avanço das tecnologias de informação e comunicação. É só traduzir esse "filosofês": os rolezeiros apreciam o consumo e andam na moda, valorizam a cultura do prazer, até mesmo na urgência de beijar as "minas" que também se dispõem a fazê-lo, querem ser admirados por suas aparências e seus feitos, e por aí afora. Para o florescimento pessoal fotos nas reportagens e nas capas de revistas são a glória.
Encontrei outra obra pertinente ao assunto, datada de 1967, que permanece atual. Intitulada A Sociedade do Espetáculo, foi escrita Guy Debord, outro filósofo francês, um marxista crítico da velha guarda do ramo. Cada parágrafo exige reflexão do leitor. Teve várias traduções do francês e uma em inglês, que consultei, criticou outras na sua introdução.
Dada a complexidade do texto, recorri a uma resenha dele feita pelo jornalista John Harris, do jornal britânico The Guardian, de 30/6/2012. Harris também adverte ser temerário descrever o livro por poucas frases, mas selecionou algumas, e eu ainda escolhi estas entre elas: "Em sociedades onde predominam as modernas condições de produção, toda a vida se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se transformou numa representação". Depois de refundir a ideia de ser na de ter, "(...) a atual fase de total ocupação da vida social pelos resultados acumulados da economia (...)" produziu um "(...) generalizado deslize do ter para o aparecer, do qual todo o efetivo ter deve extrair seu imediato prestígio e sua função final".
Nesse contexto, imagem e realidade se confundem, muitas vezes com predomínio da primeira, de mais fácil difusão e percepção. E frequentemente de forma oportunista, como no caso da propaganda de bens e serviços, ou mesmo de políticos.
Mas onde está o marxismo de Debord? Está no fato de que procura entender como evolui e se adapta o capitalismo, contrariando companheiros que, assentados em clichês antigos, ficam a esperar por uma crise definitiva desse sistema. Que nunca chega, como o esperado personagem Godot da conhecida peça teatral. Uma razão é que o consumo exacerbado pelo espetáculo impulsiona a economia e acaba sendo uma forma de alienação do proletariado de sua efetiva condição social, um tema recorrente da análise marxista.
Em retrospecto, embora de diferentes vertentes, as análises de Lipovetsky e Debord se integram, pois ambos enfatizam o consumo exacerbado. E a moda e o luxo do primeiro autor levam a espetáculos pessoais na visão do segundo. Como conceito, entretanto, a sociedade do espetáculo firmou-se mais do que a hipermodernidade. Além de mais recente, este último adotou como nome uma perspectiva temporal, enquanto o título de sociedade do espetáculo enfatiza a natureza do que se passa. Evidência disso é que Mário Vargas Llosa, num livro publicado em 2013, optou por chamá-lo de a civilização do espetáculo, ainda que se referindo aos dois autores.
Pensando em como lidar com os rolezinhos, pouco tenho a dizer. Talvez caiam de moda ou de conveniência para seus praticantes, inclusive pelo fim das férias escolares. De qualquer forma, o diálogo entre as partes envolvidas é indispensável. Ele vem ocorrendo, mas do lado dos shoppings vejo-o limitado a seus donos ou executivos. Falta a representação dos comerciários que trabalham nos shoppings recebendo parte de seus ganhos na forma de comissões sobre vendas e, assim, ficando no prejuízo com os rolezinhos ou com a simples ameaça deles.

E se houve quem, precipitadamente, tenha visto no fenômeno um sintoma de crise do capitalismo, com gente do proletariado se arregimentando para enfrentá-lo, vale lembrar uma contradição interna a essa classe e frequentemente ignorada por marxanalistas. Essa dos interesses divergentes de rolezeiros e comerciários, entre muitas outras.
Profª. Ped. Psicop. Gisele F. S. Medeiros 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Direito à Cidade - David Harvey

Por que o capital consegue exercer tantos direitos sobre a cidade? E por que as forças populares são relativamente fracas contra aquele poder?
David Havey tem uma hipótese
No dia 29 de janeiro o geógrafo David Harvey fez a palestra inaugural do seminário “Lutas pela reforma urbana: o direito à cidade como alternativa ao neoliberalismo”, organizado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana. Leia abaixo a transcrição de sua palestra, na íntegra. A tradução foi feita por Fernando Alves Gomes.
Palestra:
Para mim, é um imenso prazer estar aqui, mas em primeiro lugar eu gostaria de me desculpar por falar em inglês, que é a língua do imperialismo internacional. Eu espero que o que eu vá dizer seja suficientemente antiimperialista para que vocês me perdoem por isso.

Eu estou muito grato pelo convite que me fizeram, porque eu aprendo muito com os movimentos sociais. Eu vim aqui para aprender e para ouvir, e, portanto, eu já considero esta uma grande experiência educacional, pois, como disse Karl Marx certa vez, sempre há a grande questão acerca de quem vai educar os educadores.
Eu tenho trabalhado já há algum tempo com a idéia de um direito à cidade. Eu entendo que o direito à cidade significa o direito de todos nós a criarmos cidades que satisfaçam as necessidades humanas, as nossas necessidades. O direito à cidade não é o direito de ter – e eu vou usar uma expressão do inglês – as migalhas que caem da mesa dos ricos. Todos devemos ter os mesmos direitos de construir os diferentes tipos de cidades que nós queremos que existam.
O direito à cidade não é simplesmente o direito ao que já existe na cidade, mas o direito de transformar a cidade em algo radicalmente diferente. Quando eu olho para a história, vejo que as cidades foram regidas pelo capital, mais que pelas pessoas. Assim, nessa luta pelo direito à cidade haverá também uma luta contra o capital.
Eu quero agora falar um pouco sobre a história da relação entre o capital e a construção de cidades, fazendo uma pergunta: Por que o capital consegue exercer tantos direitos sobre a cidade? E por que as forças populares são relativamente fracas contra aquele poder? Eu também gostaria de falar sobre como, na verdade, a forma com que o capital opera nas cidades é uma de suas fraquezas. Assim, eu acredito que, dessa vez, a luta pelo direito à cidade está no centro da luta contra o capital. Nós estamos vivendo agora, como todos sabem, uma crise financeira do capitalismo. Se nós olharmos para a história recente, nós descobriremos que ao longo dos últimos 30 anos houve muitas crises financeiras. Alguém fez os cálculos e disse que desde 1970 houve 378 crises financeiras no mundo. Entre 1945 e 1970 houve apenas 56 crises financeiras. Portanto, o capital tem produzido muitas crises financeiras nos últimos 30 ou 40 anos. E o que é interessante é que muitas dessas crises financeiras têm origem na urbanização. No fim da década de 1980, a economia japonesa quebrou, e quebrou por conta da especulação da propriedade e da terra. Em 1987, nos Estados Unidos, houve uma enorme crise, na qual centenas de bancos foram à falência, e tudo se deveu à especulação sobre a habitação e o desenvolvimento de propriedade imobiliária. Nos anos de 1970 houve uma grande crise mundial nos mercados imobiliários. E eu poderia continuar indefinidamente, dando-lhes exemplos de crises financeiras com origens urbanas. Meu cálculo é que metade das crises financeiras dos últimos 30 anos teve origem na propriedade urbana. As origens dessa crise nos Estados Unidos estão em algo chamado crise das hipotecas sub prime. Mas eu chamo esta crise não de crise das hipotecas sub prime, e sim de crise urbana.
O que aconteceu foi que nos anos de 1990 surgiu o problema de um excedente de dinheiro sem destinação – o capitalismo é um sistema que sempre produz excedentes. Nós podemos pensar a coisa da seguinte forma: o capitalismo acorda certa manhã e vai ao mercado com certa quantidade de dinheiro e compra trabalho e meios de produção. Ele põe estes elementos para trabalhar e produz certo bem, para vendê-lo por mais dinheiro do que ele tinha no começo. Assim, no fim do dia o capitalista tem mais dinheiro do que ele tinha no começo do dia. E a grande pergunta é: o que é que ele faz com aquele extra que conseguiu? Bem, se ele fosse como você e eu, ele provavelmente sairia e se divertiria gastando o dinheiro. Mas o capitalismo não é assim. Há forças competitivas que o impelem a reinvestir parte de seu capital em novos desenvolvimentos. Na história do capitalismo, tem havido uma taxa de crescimento de 3% desde 1750. Uma taxa de crescimento de 3% significa que é preciso encontrar saídas para o capital. Desse modo, o capitalismo sempre se confronta com aquilo que eu chamo de problema da absorção do excedente do capital: onde eu posso encontrar uma saída lucrativa em que aplicar o meu capital? Em 1750, o mundo inteiro estava aberto para essa questão. E, àquela época, o valor total da economia global era de 135 bilhões de dólares em bens e serviços. Quando se chega a 1950, há 4 trilhões de dólares em circulação, e você tem que encontrar saídas para 3% de 4 trilhões. E quando se chega ao ano 2000, tem-se 42 trilhões de dólares em circulação. Hoje, provavelmente, este valor chega a cerca de 50 trilhões. Em 25 anos, a uma taxa de crescimento de 3%, ele será de 100 trilhões. Isso significa que há uma crescente dificuldade em encontrar saídas rentáveis para o excedente de capital.
Essa situação pode ser apresentada de outra forma. Quando o capitalismo era essencialmente o que acontecia em Manchester e em outros poucos lugares do mundo, uma taxa de crescimento de 3% não representava um problema. Agora nos temos que colocar uma taxa de 3% em tudo que acontece na China, no Leste e no Sudeste asiáticos, na Europa, em grande parte da América Latina e na América do Norte, e aí nós temos um imenso, gigantesco problema. Os capitalistas, quando têm dinheiro, têm também a escolha de como reinvesti-lo. Você pode investir em nova produção. Um dos argumentos para tornar os ricos ainda mais ricos é que eles reinvestirão na produção, e que isso gerará mais emprego e melhores padrões de vida para o povo. Mas desde 1970 eles têm investido cada vez menos em novas produções. Eles têm investido na compra de ativos, ações, direitos de propriedade, inclusive intelectual, e, é claro, em propriedade imobiliária. Portanto, desde 1970, cada vez mais dinheiro tem sido destinado a ativos financeiros, e quando a classe capitalista começa a comprar ativos, o valor destes aumenta. Assim eles começam a fazer dinheiro com o crescimento no valor de seus ativos.
Com isso, os preços da propriedade imobiliária aumentam mais e mais. E isso não torna uma cidade melhor, e sim a torna mais cara. Além disso, na medida em que eles querem construir condomínios de luxo e casas exclusivas, eles têm que empurrar os pobres para fora de suas terras – eles têm que tirar o nosso direito à cidade. Em Nova York, eu acho muito difícil viver em Manhattan, e vejam que eu sou um professor universitário razoavelmente bem pago. A massa da população que de fato trabalha na cidade não tem condições de viver na cidade porque o preço dos imóveis subiu exageradamente. Em outras palavras, o direito das pessoas à cidade foi subtraído. Às vezes ele é subtraído por meio de ações do Mercado, às vezes por meio de ações do governo, que expulsa as pessoas de onde elas vivem, às vezes ele é subtraído por meios ilegais, violentos, ateando- se fogo a um prédio. Houve um período em que parte de Nova York sofreu incêndio após incêndio.
O que isso faz é criar uma situação em que os ricos podem cada vez mais exercer seu domínio sobre toda a cidade, e eles têm que fazer isso, porque essa é a única forma de usar seu excedente de capital. E em algum momento, entretanto, há também incentivos para que esse processo de construção da cidade alcance as pessoas mais pobres. As instituições financeiras concedem empréstimos aos empreendedores imobiliários para que eles desenvolvam grandes áreas da cidade. Você tem os empreendedores que promovem o desenvolvimento, mas o problema é: para quem eles vendem os imóveis? Se a renda da classe trabalhadora estivesse crescendo, então talvez eles poderiam vendê-los para os trabalhadores. Mas desde os anos de 1970 as políticas do neoliberalismo têm implicado reduções salariais. Nos EUA, os salários reais não têm aumentado desde 1970, de tal modo que se tem uma situação em que os salários reais são constantes, mas os preços dos imóveis estão subindo. E de onde vem a demanda por habitação? A resposta consistia em conduzir as classes trabalhadoras a uma situação de débito. E o que nós vemos é que o débito com habitação nos EUA passou de cerca de 40.000 dólares por família para mais de 120.000 dólares por família nos últimos 20 anos. As instituições financeiras batem nas portas dos trabalhadores e dizem “Nós temos um bom negócio para você. Nós lhe emprestamos dinheiro e você pode ter sua casa própria. E não se preocupe se mais adiante você não conseguir pagar sua dívida, porque os preços dos imóveis estão subindo, então tudo está bem”.
Assim, mais e mais pessoas de baixa renda foram levadas a contrair dívidas. Mas cerca de dois anos atrás, os preços dos imóveis começaram a cair. A distância entre o que os trabalhadores podiam pagar e o tamanho da dívida tornou-se grande demais. De repente houve uma onda de execuções de hipotecas em muitas cidades americanas. Mas como geralmente acontece com algo desse tipo, há um desenvolvimento geográfico desigual de tal onda. A primeira onda atingiu comunidades de baixíssima renda em muitas das cidades mais antigas dos Estados Unidos. Há um maravilhoso mapa que pode ser visto na página eletrônica da BBC das execuções hipotecárias na cidade de Cleveland. O que se vê é um mapa pontilhado das execuções, que é altamente concentrado em certas áreas da cidade. Há do lado deste um outro mapa, que mostra a distribuição da população afro-americana, e os dois mapas correspondem entre si. O que isso significa é que ocorreu um roubo à população afro-americana de baixa renda. Esta foi a maior perda de ativos de populações de baixa renda nos EUA de todos os tempos: dois milhões de pessoas perderam suas casas. E naquele mesmo momento o pagamento de bônus em Wall Street ultrapassava a casa dos 30 bilhões de dólares – que é o dinheiro extra pago aos banqueiros pelo seu trabalho. Assim, os 30 bilhões pagos em Wall Street foram efetivamente retirados das populações dos bairros de baixa renda. Fala-se sobre isso nos Estados Unidos como um “Katrina financeiro”, porque, como vocês se lembram que o furacão Katrina atingiu particularmente Nova Orleans, e foi a população negra de baixa renda que foi deixada para trás, sendo que muitos morreram. Os ricos protegeram seu direito à cidade, mas os pobres essencialmente perderam o deles.
Na Flórida, na Califórnia e no Sudoeste americano, o padrão foi diferente. Ele se mostrou muito mais nas periferias das cidades. Lá, muito dinheiro estava sendo emprestado a grupos de construtoras e incorporadoras. Eles estavam construindo casas fora da cidade, 45km fora de Tuscon e de Los Angeles, e não conseguiam encontrar para quem vendê-las. Então eles buscaram a população branca que não gostava de viver perto de imigrantes e de negros nas cidades centrais. Isso levou a uma situação que se revelou há um ano, quando os altos preços da gasolina tornaram as coisas muito difíceis para aquelas comunidades. Muitas pessoas não conseguiam pagar suas dívidas, de modo que aconteceu uma onda de execuções hipotecárias que está se dando nos subúrbios, e atinge principalmente os brancos, em lugares como a Flórida, o Arizona e a Califórnia. Enquanto isso, o que Wall Street fez foi pegar todas aquelas hipotecas de risco e embrulhá- las em estranhos instrumentos financeiros. Eles pegavam todas as hipotecas de um determinado lugar e colocavam-nas num pacote, e então vendiam partes daquele pacote para outras pessoas. O resultado é que todo o mercado financeiro de hipotecas se globalizou, e o que se vê são pedaços de propriedade hipotecária sendo vendidas para pessoas na Noruega, na Alemanha, no Golfo e em qualquer lugar. Todos foram convencidos de que essas hipotecas e esses instrumentos financeiros eram tão seguros quanto casas. Acabou que eles não se mostraram seguros, e então sobreveio a grande crise, que segue sem parar. Meu argumento é que se essa crise é basicamente uma crise de urbanização, então a solução deve ser uma urbanização diferente, e é aí que a luta pelo direito à cidade se torna crucial, porque nós temos a oportunidade de fazer algo diferente.
Mas sempre me perguntam se essa crise é o fim do neoliberalismo. Minha resposta é “não”, se se olha para o que está sendo proposto em Washington e em Londres. Um dos princípios básicos que foram estabelecidos na década de 70 é que o poder do Estado deve proteger as instituições financeiras a qualquer preço. Se há um conflito entre o bem estar das instituições financeiras e o bem estar do povo, opta-se pelo bem estar das instituições financeiras. Este é o princípio que foi desenvolvido na cidade de Nova York City em meados dos anos 70, e que foi definido internacionalmente pela primeira vez quando houve a ameaça de falência do México em 1982. Se o México tivesse ido à falência, isso teria destruído os bancos de investimentos de Nova York. Assim, o Banco Central dos Estados Unidos e o Fundo Monetário Internacional combinaram esforços para ajudar o México a não entrar em falência. Em outras palavras, eles emprestaram o dinheiro que o México precisava para pagar os banqueiros de Nova York. Mas, ao fazê-lo, eles impuseram austeridade à população mexicana. Ou seja, eles protegeram os bancos e destruíram as pessoas. Essa tem sido a prática padrão do FMI desde então. Agora, se olharmos para a resposta dada à crise pelos Estados Unidos e a Inglaterra, nós veremos que o que eles efetivamente fizeram foi salvar os bancos ? são 700 bilhões de dólares para os bancos nos EUA. Eles não fizeram absolutamente nada para proteger os proprietários de imóveis que perderam suas casas. Então, é este exatamente o mesmo princípio que agora vemos em funcionamento: proteger as instituições financeiras e foda-se o povo. O que nós deveríamos ter feito era pegar os 700 bilhões e criar um banco de re-desenvolvimento urbano, para salvarmos todas as comunidades que estavam sendo destruídas e reconstruir as cidades a partir das demandas populares. O interessante é que, se nós tivéssemos feito isso antes, muito da crise teria simplesmente desaparecido, porque não haveria a execução das hipotecas. Nesse meio tempo, nós precisamos organizar um movimento antidespejo – e temos visto isso acontecer em Boston e em algumas outras cidades. Mas, nesse momento da história nos EUA, há um sentimento de que a mobilização popular está restrita porque a eleição de Obama era a prioridade. Muitas pessoas esperam que Obama faça algo diferente, mas infelizmente os seus consultores econômicos são exatamente os mesmos que criaram o problema. Eu duvido que Obama venha a ser tão progressista quanto Lula. Eu acho que nós teremos que esperar um pouco antes que os movimentos sociais comecem a agir. Nós precisamos de um movimento nacional pela reforma urbana como o que vocês têm aqui. Nós temos que construir uma militância do mesmo tipo que vocês construíram aqui. Nós temos que, de fato, começar a exercer nosso direito à cidade. E em algum momento nós teremos que reverter o modo como as instituições financeiras são priorizadas em detrimento do povo. Nós temos que nos questionar o que é mais importante, o valor dos bancos ou o valor da humanidade. O sistema bancário deveria servir às pessoas, e não viver à custa das pessoas. A única forma que temos de, em algum momento, nos tornarmos capazes de exercer nosso direito à cidade é controlando o problema da absorção do excedente capitalista. Nós temos que socializar o excedente do capital. Nós temos que usá-lo para atender necessidades sociais. Nós temos que nos livrar do problema da acumulação constante dos 3%. Nós chegamos a um ponto em que uma taxa de crescimento constante de 3% irá impor custos ambientais tão imensos, irá exercer uma pressão tão grande sobre as questões sociais, que nós viveremos em perpétua crise financeira. Se nós sairmos dessa crise financeira do modo que eles querem, haverá uma outra crise financeira dentro de cinco anos. Chegamos a um ponto em que não podemos mais de aceitar o que disse Margaret Thatcher, que “não há alternativa”, e que devemos dizer que deve haver uma alternativa. Deve haver uma alternativa para o capitalismo em geral. E nós podemos começar a nos aproximarmos dessa alternativa percebendo o direito à cidade como uma exigência popular internacional, e eu espero que possamos todos nos unir nessa missão.


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O direito à cidade
Giselia Cristina de Oliveira Soares*
É inegável que a cidade sofre uma série de mutações. Abundam shoppings, salas de cinema e lojas padronizadas. Contudo, estas transformações não tem atendido às demandas da maioria da população. Isto porque o consumo, o lazer, as indústrias culturais e do conhecimento tornaram-se mercadorias. Assim, para que se tenha acesso a tudo isto é preciso pagar. Destarte, as alterações ocorridas nas grandes cidades evidenciam características da sociedade capitalista na qual estamos inseridos.
Se pensarmos no direito à moradia, por exemplo, em palestra organizada pelo Fórum Social de Reforma Urbana, David Harvey afirma que o sistema capitalista gera sempre excedentes que devem ser reaplicados. Todavia, desde 1970, ele é cada vez menos reinvestido em produção. Os donos do capital tem preferido aplicar o seu dinheiro na compra de ativos, ações e direitos de propriedade, dentre elas, a imobiliária. Por esse motivo, o valor dos imóveis tem aumentado significativamente. O pesquisador ainda ressalta que este fato não permite que a cidade se torne melhor e sim mais cara. Deste modo, o direito à propriedade é subtraído da população.
Ademais, como menciona a revista Piauí, ao citar o urbanista Marcello Balbo, a cidade está se partindo em fragmentos diferentes, com a aparente formação de “microestados”. Bairros ricos dotados de todo o tipo de serviços com escolas exclusivas, campos de golfe, quadras de tênis e segurança particular patrulhando a área 24 horas, convivem com favelas sem saneamento, onde a energia elétrica é pirateada por uns poucos privilegiados, as ruas viram torrentes de lama quando chove. Cada fragmento parece viver e funcionar de forma autônoma. Estes aspectos dificultam a formação de um sentimento de pertencimento, isto é, de uma identidade urbana.
Vale notar que, nos EUA, a situação dos imóveis tornou-se tão caótica que, de acordo com David Harvey, instalou-se uma crise da urbanização. Para ele, algumas destas crises poderiam ser evitadas se houvesse uma política em que os excedentes de capital fossem destinados a criação de um Banco de Desenvolvimento Urbano, com o objetivo de salvar todas as comunidades que estavam sendo destruídas, ou seja, que as cidades fossem reconstruídas a partir das demandas populares.
Desta forma, nas palavras deste renomado pesquisador, o direito à cidade não é o direito de ter as migalhas que caem da mesa dos ricos. Todos devemos ter os mesmos direitos de construir os diferentes tipos de cidades que nós queremos que existam. Por conseguinte, quando algumas pessoas não podem de frenquentar alguns espaços urbanos, mesmo que privados, como ocorreu com os rolezinhos, estamos não só dificultando a formação de uma identidade urbana, mas igualmente perpetuando o domínio que os ricos tem sobre a cidade. Por conseguinte, estamos também impedindo que a cidade seja refeita a partir dos anseios do povo, uma vez que como escreveu a Revista Piauí, ao mencionar o sociólogo e urbanista Robert Park, ao refazer a cidade, o homem refaz a si mesmo.
*Professora de História de escolas públicas de Belo Horizonte e de Lagoa Santa.
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quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

“Me encontra...ou deixa eu te encontrar” Por: Anderson Silva*

A partir da chamada do texto, com o refrão de uma música da banda Charlie Brown Jr, sigo com algumas reflexões e provocações sobre as redes sociais e os rolezinhos. Em 2004 foi criado o Orkut, tida para muitos como a primeira rede social virtual. Inicialmente o orkut causou polêmica pois só acessava a rede quem recebesse um convite que chegou até a ser vendido.
No mesmo ano foi criada a principal rede atual o Facebook, liberada para o público dois anos depois. É comum a visão de que a rede Orkut “morreu” e é ultrapassada frente às opções atuais. O fato é que tal rede foi a primeira porta de acesso para muitos usuários à internet assim como o facebook atualmente.
No contexto dos “rolezinhos” há um potencial de força e influência n@s usuári@s com grande número de seguidores. Comportamentos, hábitos, aparência são alguns dos aspectos que tendem a ser imitados ou desejados de tais usuári@s pel@s que @s acompanham na rede. Tais características foram possibilitadas pelo uso do facebook mas, culturalmente, isso foi iniciado ainda no Orkut.
Na montagem abaixo, os ícones e suas quantidades coloridas ou em branco, a partir da avaliação de outr@s usuários sobre o perfil de uma pessoa, davam melhor ou pior status de relacionamento. Tais informações eram exibidas na página inicial do perfil assim como o nº de amigos, de scraps recebidos (recados) e os depoimentos.












Em todos os rolezinhos convocados pelo Facebook, figuram como organizadores (as) usuári@s com milhares de seguidores como a paulista Yasmin Oliveira. A jovem de 15 anos, filha de uma diarista  e que mora numa casa alugada e sem acabamento, ganhou da mãe uma tênis de grife ao custo de mais de R$500,00 além das roupas, maquiagens e outros objetos ostentados em centenas de fotos na rede social – a moça criou uma página dedicada ao seu namoro encontrando em seis dias mais de 600 seguidores (as), número que certamente aumentará pois conta com mais de 105.000.

Em programas televisivos como TV Verdade da rede Alterosa de Belo Horizonte (clique aqui para ver os vídeos) foi debatido o tema dos rolezinhos e, além da apresentadora, outros participantes favoráveis ao movimento associaram o número de seguidores a um poder de convencimento. Ok. Mas qual é a proposta (se há) em vári@s desses usuári@s? Como tal número de seguidores é alcançado? Há “correntes” em postagens, grupos e páginas do facebook com usuári@s pedindo para que @s visitantes cliquem em “seguir” e, sendo assim, qual é a qualidade do “seguir”? 
Gráfico com diferentes redes sociais em uso no Brasil e seus percentuais.
    Fonte: ComScore (empresa multinacional de pesquisa em internet)

Link para a pesquisa na palavra a seguir: ComScore

* Professor de História na Rede Pública de Santa Luzia/MG, Consultor Cultural


E você achando que polícia resolve, que "esses baderneiros têm que morrer", que a imprensa é boazinha... VAI VENDO...

"Estamos Juntos Advogados Ativistas ! Advogados dizem ter recebido ameaça de morte para largar caso de jovem baleado pela PM em protesto. O grupo Advogados Ativistas afirmou nesta quarta-feira (29) que um de seus integrantes recebeu “ameaça de morte” para que saísse do caso envolvendo o estoquista Fabrício Proteus Chaves, de 22 anos. O jovem foi baleado por policiais militares durante ato contra a Copa do Mundo na região central de São Paulo, no último sábado (25). O grupo convocou uma “coletiva de imprensa emergencial”, alegando que a integridade física dos seus membros “pode estar prejudicada”. Temendo represália, o Advogados Ativistas preferiu não dar detalhes sobre a origem da ameaça. Apenas destacou que ela foi presencial e com o uso de arma de fogo. Em nota, apresentada durante a entrevista, eles destacaram que situações como esta são inaceitáveis dentro de um Estado Democrático de Direito. — Ressalte-se que quando se tornou público que os Advogados Ativistas estavam atuando em defesa da vítima Fabrício, um dos advogados do grupo recebeu uma ameaça de morte para que saíssemos do caso e da atuação nas ruas [...] São inaceitáveis estas ameaças dentro de um Estado Democrático de Direito. Pouco antes de a coletiva ser iniciada, o Advogados Ativistas foi surpreendido pela notícia de que familiares de Chaves não queriam mais que o grupo assumisse a defesa do jovem, que anteriormente era representado pela Defensoria Pública. — Chamamos esta coletiva de imprensa ainda na qualidade de advogados do Fabrício para expor as ilegalidades e pontos obscuros que têm ocorrido neste caso, inclusive a ameaça de morte que sofremos. Porém, quando já marcada esta coletiva, recebemos a notícia dos familiares que não nos querem mais como advogados no caso, e assim não podemos mais falar sobre o caso. Isto nos foi avisado sem maiores explicações."


terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A arte engajada de Carlos Latuff



Apresento aqui alguma Charges de Latuff sobre o tema de nosso blog. Conheci Latuff em 2013 no Instituto Helena Greco para participar num debate dele com o Nilson Azevedo sobre "Arte como instrumento de luta social e politica". Por quatro horas conversamos sobre esse tema. Foi muito impactante para mim. Tudo que os dois cartunistas defenderam naquela ocasião  ia de encontro com o que eu vinha pensando acerca de arte. Segundo eles não dá para ficar apenas no apelo estético. É preciso produzir, concomitante, uma arte que sirva ao combate de toda e qualquer opressão. Nilson falou abertamente sobre sua decepção com os artistas que debandaram para esquerda ( Angeli, Caetano Tom Zé etc.) 
Os dois artista fizeram criticas ferozes ao que eles chamam de pseudo empoderamento a partir de movimentos como Afroreggae e Tambores de Minas que usam das imagens das comunidades para exercer controle social. Apontaram ainda as oligarquias das famílias donas da mídia como um grande problema que contribui para manter a população em coma (ingerem a tal da pílula vermelha, como disse Latuff). 
Latuff, acusado de anti-sionista pela mida explicou a situação Israel X Palestina (finalmente eu pude entender) a partir do ponto de vista de alguém que foi e viu o que acontece. Falou sobre a diferença entre questão étnica e questão politica e disse ainda que EUA e Israel fomentam essa discussão do sionismo para mascarar o domínio no oriente e a venda de armas. Assegurou que ele faz não o torna contrário aos judeus, suas charges denunciam sim a colonização da Palestina por Israel. 
Todos dois deixaram claro que um cartunista não deve ser canalha, fazer humor gratuito. Segundo eles um cartunista deve dizer a verdade com humor. 
Acho que ao Latuff cabe na nossa proposta por causa de sua  A ARTE ENGAJADA. Sua abordagem ácida e incisiva á temática "rolezinho" expõe o cerne da questão: a indisposição da classe média, de alguns  ´políticos para com essa geração que está se apropriando do espaço de consumo como um espaço de lazer. Latuff, como sempre, é muito duro como a incompetência da policia em lidar com o fenômeno. 

Norma de Souza Lopes

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Abordagem dos rolezinhos por diferentes mídias*


Nos links abaixo estão disponíveis vídeos recentes sobre o fenômeno do rolezinho: o primeiro, produzido para a internet e os dois últimos para meios televisivos.

Vídeo: Garotos aproveitam "rolezinho" para entrar no mundo do funk (duração 1:44 Canal Terra - 17/01/2014)
http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/videos/garotos-aproveitam-rolezinho-para-entrar-no-mundo-do-funk,7297619.html


Vídeo: Participantes dos "rolezinhos" são os que mais consomem no Brasil (duração 1:51 - Jornal STB - 20/01/2014)


Vídeo: O lado obscuro dos rolezinhos que estão acontecendo por todo o Brasil (duração 15:13, Programa Capital Urgente da TV Capital Goiânia)

http://www.youtube.com/watch?v=cTuUk4e7EJ4

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* Gisele de Freitas Silva, Pedagoga, Professora e Tutora em Educação à Distância em Lagoa Santa/MG